O PROBLEMA DA SUSTENTABILIDADE




Por Marcio Ruiz Schiavo
Diretor da Comunicarte Marketing Cultural e Social.


A grande maioria dos programas e projetos sociais são gerenciados por organizações da sociedade civil, sem finalidades lucrativas e dirigidas por uma diretoria voluntária. Em geral, são instituições formadas em torno de lideranças carismáticas, com forte apelo vocacional e comprometidas com o desenvolvimento social. No mais das vezes, são orientadas para a ação (praxis), atuam de maneira flexível, rápida e de forma inovadora. Esforçam-se para pensar global e agir localmente, buscando interagir com as comunidades mais próximas s suas áreas de influência.

Essas organizações caracterizam-se por oferecer produtos sociais (idéias, práticas e/ou serviços) a públicos social e economicamente desfavorecidos ou excluídos e de muito baixo capital social. Além disso, lutam por levantar fundos para seus programas em diferentes fontes de “financiamento”, de atuação nacional ou internacional. Sujeitam-se, algumas vezes, aos modismos sociais — que elegem “os excluídos da vez”, reservando-lhes recursos que acabam influenciando o fluxo das ações destinadas aos segmentos eleitos como prioritários pelas agências de cooperação (doadores).

A consolidação do processo democrático multiplicou as iniciativas da sociedade civil, que evolui de um papel passivo em relação aos problemas sociais, para uma posição mais ativa, protagonizando inovações e buscando soluções complementares ao que o Governo, nos seus diversos níveis, oferece à população. Tornam-se, assim, atores importantes na gestão de ações públicas — que não são mais vistas como responsabilidade exclusivamente governamental. São, portanto, organizações que prestam serviços relevantes à sociedade e é natural que sejam remuneradas por esses serviços.

Afinal, o que é sustentabilidade?
Para melhor esclarecer esse conceito, tomemos três situações:

Situação 1: sustentabilidade financeira.
Para alguns, sustentabilidade é o retorno financeiro de um projeto a um nível, pelo menos, igual aos seus próprios custos. Quem assim considera, entende que um projeto é sustentável quando ele gera uma renda igual ou superior ao que gasta. Temos, assim, a seguinte equação:
O recurso gerado dividido pelo custo do projeto é igual a X, onde X é o índice de sustentabilidade. Quando X for igual ou superior a 1, o projeto terá sustentabilidade financeira. Exemplificando: Projeto de Capacitação Profissional em Marcenaria
(Note-se que o objetivo do projeto é capacitar jovens, e não, vender móveis): a) Valor total do projeto/ano: R$ 150.000,00; b) Recursos gerados com a venda de móveis produzidos: R$ 75.000,00/ano.
Com isso, produz-se um Índice de Sustentabilidade igual a 0,5 (ou seja: R$ 75.000,00 dividido por R$ 150.000,00).

Situação 2: sustentabilidade econômica.
Para outros, sustentabilidade é o retorno econômico que um projeto consegue, considerando-se o efeito imediato e o
impacto futuro das ações desenvolvidas. Neste caso, um projeto será sustentável quando gerar para a sociedade um retorno igual ou maior do que o seu custo direto.

Pode ser expresso na seguinte equação:
Retorno econômico dividido pelo custo direto do projeto é igual a X, onde X representa o índice de sustentabilidade econômica. Quando X for igual ou maior do que 1, o projeto será economicamente sustentável. Aplicando-se esta nova equação ao exemplo anterior, segue-se o seguinte raciocínio:
O valor do projeto (ano) igual a R$ 50.000,00. Os recursos gerados pela venda de móveis somam R$ 75.000,00. O índice de sustentabilidade financeira é igual a 0,5.
O problema está em quantificar o retorno econômico, ou seja, quanto a sociedade vai estar ganhando com as ações do projeto. No mesmo exemplo, pode-se chegar aos seguintes indicadores: o retorno econômico é igual ao número de adolescentes capacitados/profissionalizados mais o percentual dos que ingressaram no mercado de trabalho multiplicado pelo salário médio/ano. Temos, então: 120 jovens capacitados; custo por jovem capacitado de R$ 1.250,00; proporção que entrou no mercado de trabalho é de 40% (48 jovens). 18 jovens vezes R$ 390,00 (salário médio) por 12 meses dá R$ 224.640,00.

O retorno econômico (R$ 224.640,00) mais o retorno Financeiro (R$ 75.000,00) dividido pelo custo direto (R$ 150.000,00) é igual a 1,9.

O retorno por jovem capacitado igual a R$ 2.497,00 para um investimento de R$ 1250,00.

Portanto, o projeto que financeiramente só suportava a metade dos seus custos, analisado sob a ótica da economia social, proporciona à sociedade um retorno de 99,7% a mais que o valor investido em um único ano. Caso consideremos um período maior de trabalho, os custos da capacitação permanecerão os mesmos, melhorando-se ainda mais o retorno do projeto.

Com esta performance, é pertinente perguntar: Oual o investimento que consegue dar um retorno de 99,7% a mais/ano que o capital investido?

Situação 3: redução de custos.
Nessa situação, levamos em conta quanto custa o projeto e que economia vai proporcionar. A sustentabilidade será alcançada toda vez que o custo do projeto for igual ou menor que a economia que o mesmo proporcionou. Vejamos uma demonstração concreta:
Para o mesmo exemplo, consideremos que um adolescente no qual investimos R$ 1.250,00 tivesse que permanecer em um abrigo público durante quatro meses do ano. O custo médio estimado para o mês/permanência é de R$ 1.100,00 (Note-se que existem estabelecimentos em que o custo mensal é da ordem de R$ 3.500,00). O período de quatro meses custaria R$ 1.400,00. Assumindo-se a hipótese de que o adolescente capacitado não seria abrigado”, teremos a seguinte equação:
O custo por jovem abrigado é de R$ 4,400,00. Dividido pelo custo do jovem capacitado que é de as 1.250,00 resulta 3,52.

O jovem capacitado pelo projeto economizou para a sociedade o equivalente a RS 3.150,00 (R$ 4.400,00 — R$ 1.250,00), dando um retorno igual a 3,52 vezes o capital investido. Caso consideremos que 40% dos jovens não capacitados passariam quatro meses por ano em um abrigo, temos: 48 (40% de 120) x R$ 4.400,00 igual a R$ 211.200,00 (A). Sendo o custo do projeto de R$ 150.000,00 (B), a redução de perdas é igual a A menos B que fica em R$ 61.200,00.

Deve ser considerado, também, que existe um custo social alto decorrente do ato infracional que teria sido cometido pelo jovem que, por isso, estar por quatro meses era um abrigo, custo esse que não foi computado.

Considerações finais.
É claro que, em todas as situações analisadas, estamos falando em hipóteses, umas mais reais que outras. Preferimos manter o mesmo exemplo apenas porque, com isso, o desenvolvimento do raciocínio do que é sustentabilidade fica mais fácil de ser entendido.

Também é importante, nesta oportunidade, tocar em um ponto polêmico. Não consideramos sustentabilidade a substituição de fontes financeiras de apoio. Um projeto que produz roupas, por exemplo, vendendo-as de forma que com o lucro obtido possa manter suas atividades, estará apenas fazendo com que os consumidores que compram as roupas paguem para que o projeto exista, em substituição a uma agência de cooperação. Não queremos, com isso, emitir um juízo de valor, depreciando os esforços de muitos projetos por captar recursos. Mas também não queremos legitimar uma prática socialmente injusta, que tenta jogar sobre os ombros dos miseráveis, a responsabilidade financeira de livrarem-se da própria miséria.


***


Conjuntura Social #3 
Março de 2000

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