Duas ou três sobre O VELHO CHICO
Não fica velho o que deve ser eterno: Duas ou três sobre O Velho Chico
Por MARCIO SCHIAVO, Diretor-presidente da COMUNICARTE
“Não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio, porque as suas águas se renovam a cada instante."
Já se vão 2.500 anos desta afirmação de Heráclito (535 – 475 A.C.). E os rios continuam se renovando desde sempre. O que Heráclito não anteviu foi que, no antropoceno, os rios podem deixar de se renovar pela ação humana e até mesmo deixar de existir. Foi o que mostrou Velho Chico, telenovela de Benedito Ruy Barbosa, escrita por Edmara Barbosa e Bruno Luperi. Embora o gênero às vezes pareça esgotado, Velho Chico confirma uma vez mais que é possível inovar. E renovar.Pela primeira vez, o protagonista de uma telenovela não é um ator ou uma atriz: é um Rio. Não um Rio qualquer, mas o Rio São Francisco, que, como aprendemos na escola, “é o maior Rio genuinamente brasileiro”. Do primeiro ao último capítulo, O Velho Chico representou seu papel, sem necessidade de troca de atores ou atrizes, que caracterizou a trama em seus momentos cruciais.
A TV Globo inovou também ao firmar uma parceria inédita com a Conservação Internacional – Organização sem fins lucrativos, que promove o bem-estar humano, fortalecendo a sociedade no cuidado responsável e sustentável para com a natureza. Por meio da parceria, a Conservação Internacional prestou colaboração nos conteúdos relacionados ao meio ambiente, presentes nas tramas principal e paralelas.
Mas não foi a primeira vez que Benedito Ruy Barbosa dramatiza a temática do impacto humano sobre a natureza. Na fala abaixo, o personagem Bruno Mezenga, vivido por Antonio Fagundes na novela O Rei do Gado, essa preocupação está claramente presente:
“Os imbecis que matam as nascentes, que envenenam essas águas... Você acredita, Zé do Araguaia, que no Pantanal do Mato Grosso tem rio que está apodrecendo? ”
Só que em Velho Chico, a situação mencionada em O Rei do Gado é recorrente, levando para milhões de pessoas informações objetivas sobre conservação da natureza, novas formas de produção agrícola, posse e uso da terra, a importância da agricultura familiar e do cooperativismo rural.
É um exemplo de entretenimento com conteúdo educacional (entertainment-education) realizado intencionalmente.
Não é à toa que a produção da novela repete alguns ingredientes de sucesso retomados d’O Rei do Gado: a direção geral de Luiz Fernando Carvalho e Carlo Araújo, os atores Antonio Fagundes e Carlos Vereza (ícones da teledramaturgia brasileira), a temática rural e o forte conteúdo educacional presente em ambas as produções.
Na parte estética, Velho Chico é uma obra armorial, recriando o conceito de Ariano Suassuna. Mescla o erudito com o popular, na fotografia requintada, na musicalidade e na plasticidade de cenários e figurinos.
Muito já foi dito – e ainda será – sobre Velho Chico. Tanto sobre a fantasia retratando a realidade do Nordeste que tenta se libertar do coronelismo e da política clientelista-corrupta, como da realidade e seus caprichos, mais cruel que a ficção, como se cobrasse um tributo pela história, tirando a vida do personagem que mais defendeu a integridade do Rio e a relação harmônica do homem com a natureza.
Nessa fusão de realidade com fantasia (“realisia”), a realidade foi mais dura, como se quisesse chamar atenção para o fato de que essa história – homem destruindo a natureza – não pode acabar bem. Foi onde a ficção não ousou chegar. Mudou o final da trama, chamando atenção para a necessidade de mudarmos a história, se quisermos “que tudo acabe bem”.
Mas o que queremos ressaltar em Velho Chico é a presença das cenas socioeducativas. Ao longo de 172 capítulos, foram exibidas 227 cenas ou ações de natureza informativa-educativas (média de 1,32 cena por capítulo). Somadas, equivalem a 9 horas,9 minutos e 17 segundos. E os temas com maior presença nas tramas foram: desenvolvimento sustentável e meio ambiente, valores, princípios e relações humanas e noções de cidadania e direitos, ética na política e nos negócios. Os números acima demonstram a determinação dos autores, equipe técnica e da direção da TV Globo, em evidenciar de forma consciente, a contribuição educacional que o entretenimento de massa pode dar à sociedade, sem comprometer seus resultados estéticos e comerciais.
Assim como os Rios, as Telenovelas seguem seu curso e se renovam a cada nova história. E esperamos que continuem contribuindo com a conscientização da sociedade sobre os dramas reais de seu tempo.
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