LUCRO FINANCEIRO X LUCRO SOCIAL NAS EMPRESAS


LUCRO FINANCEIRO DIVIDE ESPAÇO 

COM O LUCRO SOCIAL NAS EMPRESAS


A consciência social está conquistada cada vez mais adeptos entre o empresariado brasileiro, e atualmente, cerca de 67% das empresas do país investem em algum tipo de ação social, seja apenas no campo da assistência ou promovendo transformações mais profundas junto às comunidades onde atuam. Com estas iniciativas, ganha a sociedade, que participa mais ativamente das soluções de seus problemas, descentralizando as ações antes só concentradas pelo poder público, e ganham as próprias empresas, que capitalizam os resultados de estratégias bem planejadas e bem sucedidas, visando o lucro social, recebendo o titulo de instituição cidadã e preocupada com a melhoria de realidade à sua volta, além de conquistar credibilidade e a simpatia do consumidor.

Na Bahia, várias empresas já aderiram à ação social e se consolidaram como promotoras de estratégias que visam o bem público. Outras começam a dar os primeiros passos nesta direção, a exemplo do Grupo Nacional Iguatemi, detentor de seis shopping centers no país, inclusive em Salvador, e que resolveu capitalizar o potencial antes aplicado em campanhas de arrecadação de roupas, brinquedos e alimentos, na criação do Instituto Newton Rique, uma cujo principal objetivo é oferecer educação para adolescentes através da arte. Uma mudança significativa do campo do assistencialismo para o do marketing social. De acordo com Márcio Schiavo, especialista em comunicação do Instituto Ayrton Senna e diretor-presidente da Comunicarte - Marketing Social, a diferença básica entre as duas linhas de ação na área social está justamente no poder transformador. "Numa ação assistencial, a preocupação é atender às necessidades da comunidade, sem nenhuma preocupação transformadora. Neste caso, teremos o combate aos efeitos e não às causas. Já o marketing social caracteriza-se por ser essencialmente transformador. É uma gestão estratégica de mudança de comportamentos, atitudes e práticas sociais, em nível individual e coletivo, orientada por preceitos éticos e cujo foco é combater as causas. O compromisso não é exclusivamente com as pessoas atendidas, mas com as mudanças operadas no cenário onde as ações sociais estão sendo realizadas", define.

Assistencialismo X marketing social

Tendo como base essa definição, a grande maioria das empresas brasileiras, que atuam na área social, fazem assistencialismo, o que não desmerece, mas apenas muda o foco da ação. Do total de instituições em atividade no setor, menos de 15% desenvolvem marketing social. No entanto, os especialistas também apontam que o terceiro setor, representado pelas ONGs (Organizações-Não-Governamentais) e que hoje responde por 1,5% do PIB nacional, vai aumentar essa sendo que o grande impulso para o crescimento vem sendo dado pelas Associações, fundações, institutos e programas sociais mantidos por empresas.

Independente do tamanho da empresa, se micro, de pequeno, médio ou grande porte, o marketing social pode ser adotado por qualquer uma delas, desde que exista uma definição clara de objetivos e uma estratégia planejada. Segundo outro especialista no assunto, Miguel Fontes, mestre em desenvolvimento pela Universidade John Hopkins e diretor da John Snow Brasil, empresa especializada em consultoria e planejamento nessa área, o mais importante para mobilizar capital humano.

"Todo investimento é necessário, inclusive o financiamento, mas o marketing social não exige somas vultosas para ser eficiente. Eu preciso de um arquiteto e de material para planejar e construir um prédio que seja sede de uma instituição comunitária, que vai ser o ponto de partida para mudanças de comportamento. Tenho duas formas de conseguir isso: fazendo um orçamento e pagando ou mobilizando capital humano que possa executar a tarefa em função daquilo que se deseja transformar. Mais importante do que aplicar grandes somas é ter capacidade de Articulação", exemplifica.

Reflexos da transformação

Não é só a melhoria das condições de vida de uma determinada comunidade e o ganho de imagem de uma empresa que o marketing social reflete. Dentro da linha de transformação e mudanças de comportamentos, atitudes e mentalidades, as ações planejadas conseguiram despertar a atenção de um segmento importante para a própria formação de opinião, a imprensa. Nos últimos anos, à medida em que as empresas foram se integrando ao conceito de cidadania e o terceiro setor foi conquistando espaço, a imprensa também passou a refletir uma imagem diferente dos problemas sociais.

"Mais que somar dados novos a uma notícia, a imprensa passou a ser também agente de transformação", afirma Miguel Fontes, com a experiência de quem já coordenou uma pesquisa sobre a incidência de AIDS em crianças, cujo resultado direto da veiculação nacional na mídia foi o incremento da distribuição de medicamento anti-HIV pelo governo para as gestantes de baixa renda.

"Estamos vendo cada vez mais que reportagens sobre a exploração do trabalho infantil tem contribuído para que a sociedade tome consciência  do problema e cobra ações efetivas de combate. Essas ações, por sua vez, são responsáveis pela retirada de milhares de crianças de trabalhos em condições insalubres em todo país e a recondução delas à sala de aula. A mesma coisa com relação à violência e à exploração sexual contra menores", completa Márcio Schiavo.

Outro exemplo de atuação constante na mudança de mensalidade até da própria imprensa é o trabalho realizado pela ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), responsável pelo levantamento e avaliação das notícias  sobre infância e adolescência publicadas nos veículos de comunicação de todo país. "A ANDI busca fontes importantes que deêm um novo olhar a todas estas questões e até sugere pautas aos veículos. Com este trabalho junto à mídia, o objetivo é, além de aumentar o espaço de matérias sobre crianças e adolescentes, qualificar os espaços existentes e até conseguir dos veículos, que não costumam abordar estes assuntos, uma mudança de postura", explica a jornalista Ana Penido, coordenadora da agência da ANDI em Salvador.

O trabalho da ONG constitui-se, em primeira instância, num levantamento de todas as notícias veiculadas sobre crianças e adolescentes, como denúncias de violência e maus tratos, uso de drogas, índice de gravidez precoce, exploração de mão-de-obra infantil, menores em situação de risco social, evasão escolar etc. depois, esse material é avaliado tanto quantitativamente quanto qualitativamente e os veículos recebem o resultado da avaliação através da publicação "Infância na Mídia" e de contatos da agência.

"Esse trabalho de sensibilização busca tanto mudar a maneira dos veículos enxergarem a questão da infância nas Brasil, quanto conscientizar sobre a importância de divulgar essas notícias", continua Ana Penido. Além do trabalho da ANDI, outros incentivos como o título Jornada Amigo da Criança, concedido a 50 profissionais a área anualmente e o Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo, iniciativa do Instituto Ayrton Senna, para premiar reportagens sobre infância, também são exemplos da transformação operada pelo marketing social.

Ações concretas em Salvador

O Instituto Newton Rique ainda está nascendo em Salvador e, de acordo com Izabel Portella, sua superintendente, o Instituto tem duas áreas estratégicas de atuação. A primeira diz respeito a Responsabilidade Social e a segunda a Investimento Social. Na área da Responsabilidade Social, pretende-se desenvolver uma cultura dentro da organização Nacional Iguatemi de implementação de ações socialmente responsáveis, como a não utilização de mão-de-obra infantil, o respeito à diversidade, comprometer-se a contratar e promover pessoas com experiências e perspectivas diferentes, além da busca por parceiros/ fornecedores socialmente responsáveis.

Na área de Investimento Social, o Instituto elegeu o campo da arte-educação como área de atuação, adolescentes como público-alvo, e as escolas como local de desenvolvimento desses projetos. A missão do Instituto Newton Rique é - Educar, pela arte, adolescentes para a vida e o exercício da cidadania".

Na capital baiana, dezenas de outras instituições já realizam trabalhos que rendem frutos promissores neste setor, como o Liceu de Artes e Ofícios, que desenvolve atividades voltadas para a profissionalização e capacitação do adolescente de baixa renda; o Projeto Axé, que detém até uma marca própria de produtos de qualidade, produzidos pelos jovens atendidos, e comercializados em lojas nos shoppings e no aeroporto; a Fundação Cidade mãe, antes vinculada à Prefeitura Municipal de Salvador e que atualmente funciona independente e tem um trabalho sócio-educativo de reconhecimento internacional; e a Escola Brown para educar através da música. Estes e outros projetos demonstram claramente que marketing social, como garantem os consultores Márcio Schiavo e Miguel Fontes, "não é claramente, mas promoção de mudanças significativas na sociedade, em busca de um futuro melhor e mais promissor".

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Jornal Mais e Melhor
Fevereiro/Abril de 2000


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