MARKETING SOCIAL: UMA NOVA PROFISSÃO À VISTA

UMA NOVA PROFISSÃO À VISTA

É o marketing social, uma carreira que pode fazer bem ao bolso e também ao espírito.

Por Mauro Silveira

É provável que você já tenha visto, no seu dia-a-dia, algum produto gerado por algo que se chama “marketing social” – embora seja quase certa que não o tenha reconhecido com esse nome, nem percebido as oportunidades que existem por trás dele. Mais exatamente, oportunidades de trabalho para você. Embora ainda esteja nos primeiros passos, o marketing social já está começando a abrir uma nova área no mercado profissional brasileiro e a atrair talentos para uma nova, talvez promissora, carreira. Nos Estados Unidos a atividade já é comum, mas no Brasil só agora começa a despontar, particularmente em novelas e embalagens de produtos de consumo. Exemplo: a atriz principal da novela caminha com o galã pelo centro da cidade e, de repente, o casal encontra uma manifestação de mães exibindo a foto de seus filhos desaparecidos. Eles se aproximam e conversam com as mães. Uma delas mostra a foto de Marcos, de 11 anos, que sumiu de casa há três semanas. Outra aproxima da câmera o retrato de Renata, 8 anos, sumida há 11 meses. É feito então, um apelo para que os telespectadores ajudem a encontrar as crianças perdidas. Nada disso é ficção. As mães são de verdade, o desaparecimento das crianças é um fato, as fotografias são reais, O apelo, portanto, não saiu da imaginação do autor da novela. Ele é produto da ação de um profissional do marketing social, alguém que trabalha por causas de interesse público, e é pago para fazer isso.

Antes de compreender o que é exatamente marketing social, é melhor saber o que ele não é. Não é filantropia nem caridade. Não é trabalho voluntário, não está ligado a entidades beneficentes e não se destina a apoiar instituições de caridade. Não tem a ver com eventos para arrecadar fundos. Essas ações, embora bastante louváveis, são comuns no Brasil. Veja por exemplo o trabalho que a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) vem desenvolvendo atualmente em três de suas rodovias em São Paulo, a Ayrton Senna, a Carvalho Pinto e a Dom Pedro I. O valor cobrado nos pedágios é de 4,80 reais. Como os usuários geralmente entregam uma nota de 5 reais e recebem 20 centavos de troco, eles são convidados a depositar essas moedinhas em caixas de coleta ao lado das cabines. O dinheiro arrecadado até agora (cerca de 11.000 reais) tem sido depositado na conta corrente de dois institutos que desenvolvem projetos para menores de idade, o CESP Criança e o Construindo o Futuro. É inegável que ações como essa são importantes para a comunidade e dão, sim, um bom retomo institucional. Mas o marketing social vai além.

Ele visa mudar o comportamento de uma comunidade toda, criar consciência, gerar debates, levantar discussões. É, enfim, a forma que as empresas encontraram para investir em programas de ajuda à comunidade, seja por campanhas, seja por serviços de utilidade pública. O executivo de marketing social é o profissional que percebe o que precisa ser feito, monta um projeto, traça uma estratégia e convence uma empresa a adotá-lo.

Pode-se fazer isso de muitas maneiras. Uma delas é, como no exemplo citado acima, divulgando uma foto de criança desaparecida numa cena de novela — ou então numa embalagem de leite. Outra é distribuindo, digamos, uma cartilha para ensinar a usar preservativos. Outra, ainda, é organizando um plano para diminuir a evasão escolar — ou um serviço para ajudar a redução no consumo de drogas. A idéia mestra, por trás das atividades de marketing social, é realizar ações em que todos lucram. A comunidade, por receber apoio para resolver uma parte de seus problemas. O profissional de marketing social que para promover o bem recebe um salário. E a empresa, por ter sua imagem associada ao bem-estar comum — sobretudo num ambiente de negócios, como o atual, em que gerar verdadeira admiração pública se torna um elemento cada vez mais importante para atrair consumidores e destacar-se da concorrência.

Foi com esse pacote debaixo do braço que Marcio Schiavo, Presidente da Comunicarte Marketing Social, conseguiu vender para a Rede Globo sua idéia de incluir durante as novelas o que ele chama de merchandising social. Schiavo sempre acreditou que fosse possível educar a população usando o entretenimento.

O presidente da Globo, Roberto Marinho, ficou sabendo do projeto e o chamou para conversar, alguns anos atrás. “Você acha mesmo que é possível usar as novelas para educar as pessoas sem prejudicar a história e a audiência?’ perguntou Marinho. Schiavo disse que sim e explicou como os temas educativos poderiam ser explorados. Foi assim que, em 1995, a novela Explode Coração, escrita por Glória Perez, levou aos lares de milhões de brasileiros o drama das mães da Cinelândia, um grupo de mulheres que luta para encontrar seus filhos desaparecidos. Desde então, temas como doação de órgãos, sexualidade, reprodução, terceira idade, Aids, drogas e alcoolismo, entre outros, ganharam mais destaque nas tramas de novela.

Ter boa imagem com o público, no entanto não é o único benefício que a Globo vem acumulando com essa história. A teoria é que, ao contribuir para melhorar o nível cultural da população, a emissora pode desenvolver, se assim desejar; uma programação de melhor qualidade — o que pode representar indiretamente a conquista de anunciantes mais qualificados. Além disso, os índices de audiência também parecem ser ajudados pela presença dos temas sociais na tela. A repercussão do merchandising social com as mães da Cinelândia, por exemplo, foi grande em todo o país. As pessoas discutiam o problema nas ruas, no ônibus, no trabalho, nos bares e restaurantes, O mais significativo disso tudo: no final da novela, 70 crianças tinham sido encontradas.

Marcio Schiavo faz questão de ressaltar que seu trabalho é feito paralelamente ao dos autores. Jamais escreveu uma única linha para ser dita por uma das personagens. “Quando o escritor apresenta a sinopse, ele já sugere os temas sociais que gostaria de abordar”: diz Schiavo. “O que minha equipe faz é um levantamento socioeducativo que pode servir de base para esse trabalho” O marketing social, de qualquer forma, vai muito além do mundo das novelas de televisão. O grupo Nacional lguatemi Empreendimentos, dono de seis shopping centers, decidiu fugir das tradicionais campanhas sociais para arrecadação de alimentos, roupas ou brinquedos que vinha desenvolvendo ao longo anos. A idéia inicial da empresa era criar uma escola de arte para crianças carentes que viviam próximo ao shopping do grupo, em Salvador, Izabel Portella, superintendente do Instituto Newton Pique, braço de atividades comunitárias do grupo, contratou a empresa de marketing social John Snow do Brasil, que fica em Brasilia. “Concluímos que, em vez de só uma escola de artes, poderíamos aproveitar as áreas e os horários ociosos do shopping para formar professores e desenvolver atividades educacionais’: afirma o Presidente da entidade, o administrador de empresas Miguel Fontes. “Além de aulas de teatro e pintura, o objetivo é ter cursos de música, valorização da cidadania e conscientização ambiental”A idéia foi aprovada e colocada em prática em setembro do ano passado. Apesar do pouco tempo de vida do projeto, babel diz que a população já está olhando para essas comunidades carentes com outros olhos. “Há menos preconceito hoje.”

Como iniciativas como essa não param de crescer, algumas empresas já vivem só disso. É o caso da própria John Snow do Brasil, que tem nove funcionários, todos com diploma de mestrado em ciências políticas ou administração de empresas. Por ser esse um mercado emergente, ainda há muito a ser feito. Os poucos profissionais que atuam na área não têm do que reclamar — não faltam boas oportunidades e os salários são bastante competitivos. Exemplos: um advogado que sabe lidar com questões ligadas a direitos humanos, segundo Fontes, pode ganhar cerca de 10.000 reais por mês trabalhando com marketing social — o mesmo vale para um especialista na área de comunicação. Quem chega a um cargo de diretor tem em média uma remuneração mensal de quase 20 000 reais. Mesmo os auxiliares mais modestas e em início de carreira, como assistentes juniores, recebem algo em torno de 1 200 reais.

Os salários estão nessas faixas mais altas por não haver ainda no Brasil muitos profissionais qualificados para trabalhar com marketing social. “Existem várias escolas de advocacia aqui, mas eu não consigo encontrar advogados com especialização em direitos humanos’: diz Miguel Fontes. Mas não são só os advogados que têm perspectivas de crescer com essa nova carreira. A John Snow desenvolve atualmente 16 projetos de marketing social e continua procurando boas cabeças, com especialização em várias área para fazer parte do seu time.

Uma das melhores coisas do marketing social é que ele não depende de idéias mirabolantes para ser posto em prática. Idéias simples podem ter o mesmo efeito. A ex-bancária Patrícia Engel Secco é um exemplo. Depois de 12 anos trabalhando no setor financeiro ela chegou à conclusão de que estava na hora de colocar em prática um antigo projeto: escrever livros infantis. Para isso, aproveitou uma personagem que havia criado para a filha um ratinho chamado Felício. “Eu queria fazer livros que ensinassem às crianças valores como ética, amizade, companheirismo”: afirma, Durante dois anos, Patrícia batalhou patrocinadores para seu livro. Foi um começo difícil. Trabalhava de dia no banco e à noite escrevia. Aos poucos as empresas começaram a ver sua iniciativa com simpatia. Hoje tem 14 livros publicados — entre eles No Parque Nosso Verde e O sonho de Natal —, todos com o patrocínio de empresas como DPaschoal, Embraer, Rigesa, Alcoa e Shopping Jardim Sul. Os livros são distribuídos para escolas públicas, para os filhos de funcionários das empresas que bancaram o projeto e até para a população em geral.

A partir do momento em que seu trabalho foi ficando conhecido, Patricia pediu demissão do banco e passou a se dedicar exclusivamente aos livros. “Eu cobro uma taxa pela coordenação do projeto e cerca de 20 centavos por livro editado’: diz ela, Em determinados meses, dependendo da tiragem, Patrícia chega a embolsar até 7.000 reais. Não é sempre, no entanto, que consegue atingir esse faturamento. A Fundação Educar, da DPaschoal, resolveu vender os livros de Patrícia em livrarias tradicionais. Para cada exemplar vendido, um outro é doado para alguma instituição ou escola.
O trabalho da Fundação Educar é um dos que têm mais destaque no universo do marketing social. Ela já distribuiu gratuitamente 1,7 milhão de exemplares de livros desde a sua fundação, em 1998. “Se uma empresa nos paga para rodarmos 5.000 livros, nós entregamos outros 5.000 para que ela distribua como bem entender’ diz o coordenador-geral da entidade, Fernando Gomes de Moraes. A iniciativa tem rendido dividendos, principalmente em Campinas, no interior paulista, sede da Educar. ‘A Dpaschoal conquistou um respeito ainda maior das pessoas, coisa que não se consegue tão facilmente com uma simples campanha de marketing’ diz Moraes.

Para quem quer trabalhar com marketing social, criatividade e imaginação são fundamentais. Veia só: o Instituto Sócio-Ambiental, uma organização não-governamental, foi responsável por idealizar uma estratégia inédita, que acabou sendo adotada pela rede de lojas Tok & Stok, especializada em móveis e acessórios para casas e escritórios. Sabendo que os índios da comunidade Tucumã Rupitá, que habitam as margens do Rio Negro, na Amazônia, produzem uma cestaria de qualidade, o instituto procurou a Tok & Stok para saber se a direção da empresa se interessaria em comercializar esses produtos em suas lojas. Quem sabe? Vamos ver…” foi a resposta. O coordenador de comunicação da entidade, Fábio Montenegro, foi então para o Amazonas, viajou três dias de canoa e, finalmente, chegou às aldeias. Com o auxílio de um tradutor, Montenegro explicou o objetivo do instituto aos índios. “A idéia não era vender apenas um lote de cestas, mas criar uma relação comercial sustentável", explica. “Os índios necessitam de dinheiro para comprar, nas cidades próximas, roupas, calçados, pilhas para seus rádios e medicamentos.”
Os índios concordaram e começaram a trabalhar. O primeiro lote de cestas com 1.200 unidades foi rapidamente vendido. O segundo está a caminho. “É perfeitamente possível estimular a responsabilidade social com estratégias de marketing como essa”, diz ele. “Trata-se de um trabalho sério, que valoriza o artesanato milenar indígena e ainda lhes dá melhores condições de vida.”

No Brasil, o marketing social ainda funciona como diferencial entre as empresas. Nos Estados Unidos, em alguns casos já é questão de sobrevivência. Se uma companhia não promove nenhuma ação desse tipo, o consumidor compra daquele que gasta parte de seu tempo e dinheiro em prol da comunidade. Uma pesquisa recente feita pelos institutos americanos Cone Communications e Roper Group revela que 76% dos consumidores preferem marcas e produtos envolvidos com algum tipo de ação social. Isso quer dizer que as organizações que se preocupam apenas em oferecer um bom produto estão perdendo terreno para o concorrente que, além de mercadorias ou serviços de qualidade, desenvolve programas sociais. Um dia o Brasil chega lá.



Revista Você 
Fevereiro de 2000

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