As telenovelas e o empoderamento feminino
As telenovelas são um produto eminentemente voltado para as mulheres, embora muitos homens também as assistiam. Nada mais justo, portanto, que contribuam com o empoderamento da mulher e com a defesa de suas causas. Na Globo, cerca de 25% da programação (estamos falando de 6 horas por dia) são ocupadas pelas telenovelas. Apenas o jornalismo tem um espaço equivalente na grade da programação.
Líderes de audiência em seus horários,
as novelas da Globo atingem milhões de pessoas em todo o Brasil, sendo
acompanhadas por diferentes segmentos (gênero, idade, aspectos socioeconômicos,
culturais e demográficos, por exemplo). É o produto televisivo mais visto e
comentado pela família, o que facilita a discussão e o diálogo entre as
diferentes gerações. As telenovelas exploram novas tendências sociais, criam
hábitos, lançam moda e discutem, como parte de suas tramas, situações presentes
na vida brasileira.
Entre as questões tratadas
regularmente, encontram-se temas relacionados aos direitos da mulher e o papel
que ocupa na sociedade. Praticamente em todas as telenovelas essa questão aparece,
com mais ou menos destaque, tratadas de forma direta ou indireta.
As telenovelas, ao longo do tempo,
inauguram e consolidam uma tendência relativamente recente na realidade
brasileira, tanto em relação à defesa dos direitos da mulher e a equidade de
gênero, como no combate ao preconceito racial e a luta pela igualdade entre a
diversas etnias que formam a nação brasileira. Trata-se de uma contribuição
relevante, para temas igualmente relevantes.
Se nos anos 50 as fotonovelas mostravam
histórias românticas que reproduziam os modelos sociais e não tentavam mudar a
condição da mulher, um início da autonomia feminina começou a surgir
timidamente em Irmãos Coragem (1970)
com a personagem Diana, umas das personalidades assumidas por Lara (Glória
Menezes), que em momentos de crise, se mostrava uma mulher extrovertida e
fogosa. Mais tarde, a personagem de Sônia Braga em Dancin’Days, Júlia Matos, em 1978, já demostrava certa independência,
um avanço para a época. No final dos anos 70, o seriado Malu Mulher tratava da história de Maria
Lúcia (Regina Duarte), 32 anos, socióloga, com uma filha e separada do marido,
buscando recomeçar a vida e libertar-se do casamento. Temas como sexualidade e
autonomia feminina foram discussões centrais na trama que mostrava proximidade
com algumas pautas do movimento feminista. O seriado veiculou um diálogo
emblemático entre Malu, sua filha Elisa (Narjara Turetta) e a amiga Vilma (Natália
do Vale), que pode ser considerado um marco na representação da mulher na
televisão:
Malu: Estou aprendendo a me defender,
né?
Vilma: Mas é isso que eu sempre te
falei. Mulher para viver sozinha tem que saber se defender.
Malu: Engraçado que homem não tem
vergonha de ser agressivo. E mulher tem, por que ter esse pudor, né?
Elisa: Mamãe, do que é que vocês estão
falando, hein?
Malu: Que mulher não tem que ser essa
coisinha frágil, indefesa, não. Mulher tem que saber ser agressiva também de
vez em quando, saber lutar para se defender, enfim... Vai aprendendo porque a
barra é pesada, minha filha.
Em Água Viva (1980) um dos tabus
que se pretendia romper era o topless, e a personagem Stella Simpson (Tônia
Carrero) tirou a parte de cima do biquíni na praia em uma cena memorável.
O estabelecimento da mulher no mercado
de trabalho e o seu papel nas decisões familiares foi exposto em Guerra dos
Sexos (1983). Na trama, a personagem Charlô (Fernanda Montenegro) era uma
mulher bem-sucedida que vivia em pé de guerra com o primo Otávio (Paulo Autran)
pelo poder dos negócios da família.
Nos anos 2000, em o Cravo e a Rosa
(2000), Catarina (Adriana Esteves) era uma mulher moderna para os anos 20, que
se recusava a fazer as tarefas domésticas. Em outro folhetim, Chocolate com
Pimenta (2003), Mariana Ximenes deu vida a Ana Francisca, personagem que foi
contra a sua época, engravidou solteira e acabou assumindo uma fábrica de
chocolates com o esforço de seu trabalho.
Em Caminho das Índias (2009), Shanti
(Carolina Oliveira), vai contra os pais para ter o direito de estudar fora do
país e Maya (Juliana Paes) lutou para poder trabalhar fora. Em Fina Estampa
(2011), a personagem Griselda (Lilia Cabral), conhecida como Pereirão, fugiu à
regra da feminilidade e realizava atividades consideradas masculinas, como
encanadora e eletricista.
Já na emblemática Lado a Lado (2012),
Marjorie Estiano deu vida a Laura, uma personagem que lutou pelos direitos das
mulheres de poderem estudar e trabalhar, sem depender dos maridos. Na mesma novela, Isabel (Camila Pitanga) se
mostrou uma mulher independente e decidida. Na trama, ela engravidou
solteira e resolveu assumir seu papel de mãe; já Laura, divorciada e sem emprego,
sofreu com o preconceito por não ter marido. Após uma temporada na França, a
personagem de Camila Pitanga volta bem-sucedida e junto
com Laura realiza o sonho de abrir uma escola no Morro da Providência. Laura,
por sua vez, escrevia matérias para o jornal local com um pseudônimo
masculino. Ela, então, começou a receber mais encomendas de matérias e, depois
de se revelar, conseguiu autorização para publicar com seu
próprio nome.
Em 2013, Joia Rara teve um elenco
repleto de personagens femininas fortes: Gaia (Ana Cecília Costa), uma mulher
revolucionária que foi deportada e enviada para um campo de concentração,
Iolanda (Carolina Dieckmann), que saiu do posto de “esposa comprada” à
candidata nas eleições, Hilda (Luiza Valdetaro), uma moça criada para se casar
que seguiu o seu sonho de ser cantora e Laura (Claudia Ohana), personagem
que se separa do marido para morar em uma pensão e iniciar um relacionamento
com um rapaz mais jovem e negro.
Mas não é só de mulheres fortes e
decididas que são feitos os folhetins; o outro lado vivido pelas mulheres
também é amplamente abordado na ficção. Recentemente, a personagem de Maeve
Jinkings em A Regra do Jogo (2015) é o retrato da mulher exposta à violência
doméstica. Domingas não é a única: em Fina Estampa (2011), Celeste (Dira Paes)
levava surras constantes de Baltazar (Alexandre Nero); já em Senhora do Destino
(2004), foi a vez de Adriana Lessa dar vida a Rita de Cássia, que apanhava de
Cigano (Ronnie Marruda); em Duas Caras (2007), Dália (Leona Cavalli) sofreu com
as agressões do marido Ronildo (Rodrigo Hilbert). Em A Favorita (2008),
Catarina (Lilia Cabral) foi vítima do marido Leonardo (Jackson Antunes), assim
como Raquel (Helena Ranaldi) sofreu nas mãos de Marcos (Dan Stulbach) em Mulheres
Apaixonadas (2003).
Uma característica comum a essas personagens
é que, apesar de agredidas, eram inertes à situação e deixavam os maridos
impunes, fato comum na vida real para esse tipo de violência, combatida desde
2006 com a Lei Maria da Penha.
Temáticas que envolvem as mulheres como
equidade de gênero, violência doméstica, saúde da mulher, violência sexual e tráfico
de pessoas, por exemplo, vêm sendo contempladas pelas novelas da TV Globo ao
longo dos anos. Dados de 2008 a 2015
mostram que 2130 cenas abordaram esses assuntos nos folhetins. As informações
são oriundas do Sistema de Monitoramento de Merchandising Social, conduzido
pela Comunicarte em parceria com a TV Globo. A abordagem desses temas desconstrói
estereótipos e divisões sexuais do trabalho, da cultura, da economia e de
outros assuntos.
Abaixo, segue um quadro com o número de
cenas relativas a temáticas que envolvem a mulher ao longo dos anos.
Com toda essa exposição, pode-se
concluir que as telenovelas contribuíram e continuam contribuindo para o debate
das questões relacionadas ao papel da mulher. Sem desconhecer eventuais
deslizes, as telenovelas da Globo transformaram-se em importantes aliadas para
as causas feministas. Comprovam que o entretenimento pode - e deve – prestar um
serviço ao esclarecimento dos direitos da mulher. É a fantasia contribuindo
para mudar a realidade. Que assim seja.
(Reprodução Internet)
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