AS NECESSIDADES CORPORATIVAS NÃO CABEM NO SONHO DAS ONGS

Junção - n° 3 | Setembro/Outubro de 2002 - Opinião Social

O dono da Comunicarte Marketing Social, uma das agências de responsabilidade social mais conceituada do Brasil, critica a forma como a qualificação disponível para o Terceiro Setor é praticada


O Comunicador Social carioca Marcio Ruiz Schiavo, de 51 anos, é proprietário e diretor da Comunicarte Marketing Social, uma das Agências de Responsabilidade Social mais conceituada do Brasil. Schiavo está entre aqueles que são responsáveis pelos incríveis avanços que remodelaram a atuação social nos últimos anos no Brasil.
Schiavo tem uma visão otimista para o desenvolvimento do Terceiro Setor nos próximos anos. Doutor em Comunicação Social com especialização em Desenvolvimento, aponta que o desenvolvimento do marketing social não é garantia de sobrevivência para as Organizações Não Governamentais. Ele é bastante crítico em relação aos cursos de qualificação disponível para o Terceiro Setor no Brasil, acredita que as improvisações têm predominado. "Levando bons profissionais a serem maus professores e bons professores a serem percebidos como pessoas sem o pé na realidade", diz Schiavo nesta entrevista.

Revista Junção - Com o fortalecimento do conceito de marketing social você acredita que o assistencialismo já cedeu espaço para a profissionalização do chamado Terceiro Setor?
Schiavo - Estou certo que sim. A profissionalização do Terceiro Setor me parece um processo irreversível. Não sei em que medida o fortalecimento do marketing social tem a ver com isso, mas sem dúvida, contribui para a melhor compreensão da necessidade de atuar profissionalmente, com foco nos resultados.
Na medida em que muitos profissionais do meio empresarial migraram para o Terceiro Setor, principalmente a partir da criação de Institutos e Fundações empresariais, a cultura da justa remuneração, acompanhada de uma política de incentivos e benefícios, ganha corpo no campo social. É preciso lembrar, também, que o Terceiro Setor é o que mais cresce na oferta de novos postos de trabalho. Tudo isso ajuda no processo de profissionalização da área. 

Revista Junção - Qual o papel que a comunicação ocupa nos dias de hoje em qualquer projeto ou programa social?
Schiavo - A comunicação é fundamental na pós-modernidade, assim como foi imprescindível em qualquer outra época. A sociedade só evoluiu a partir do domínio das técnicas de comunicação, criação de códigos comuns, possibilidade de acumulação e disseminação de conhecimentos e informações. Para o êxito de qualquer programa ou projeto social, o componente de comunicação ocupa um papel de destaque. Nos projetos dos quais participamos ou assessoramos, damos ênfase à comunicação, recomendando inclusive a aplicação de recursos específicos neste campo. Em muitos casos, a comunicação é o fim do projeto, a própria idéia central, e não apenas uma técnica promocional para difundir conceitos, produtos ou serviços. Comunicar é fazer circular sentidos, idéias e conceitos. É levar as pessoas a mudarem seus conhecimentos, atitudes e prática sobre uma determinada situação. É emocionar e comprometer os diferentes segmentos sociais com a busca e difusão das soluções, buscando melhorar as condições e a qualidade de vida. 

Revista Junção - Considerado um dos maiores especialistas em estratégia da atualidade, C.K. Prabalad 
define o Capitalismo Inclusivo, como excelente oportunidade para as multinacionais, qual sua opinião sobre Capitalismo Inclusivo? Você diria que a DKT do Brasil e a BEMFAM são exemplos de um capitalismo inclusivo?
Schiavo - Ao que parece, após ter sido crucificado, o capitalismo terminou o século XX absolvido. Perdoaram as mazelas provocadas pela competitividade, concentração de renda e aumento da exclusão social. Sem grandes resistências nos campos político e ideológico, o capitalismo passa a ser repensado, gerando interpretações como o capitalismo inclusivo e o capitalismo natural. Pensar uma forma de capitalismo comprometido com a inclusão social, a distribuição de renda e a geração de novos produtos e serviços voltados para as camadas empobreci das da sociedade é, em si mesmo, um mérito. Não podemos é parar por aí, ou pior que isso, fomentar a formação de uma sociedade de segunda classe, capaz de consumir os rejeitos do mundo tecnológico. Penso num capitalismo social, no qual o exercício dos direitos humanos seja uma realidade e o acesso aos bens e serviços essenciais esteja ao alcance" de todos.
Quanto aos exemplos da DKT e da BEMFAM, que comercializam produtos (principalmente, preservativos) a preços populares, existem outras variáveis. São programas subsidiados, que não investem em pesquisas e desenvolvimento de produtos. Buscam novas metodologias de distribuição, mas são dependentes e limitados. Na verdade, creio que cumprem um importante papel na formação de novos mercados, na medida em que criam e disseminam novos hábitos e comportamentos sociais. 

Revista Junção - Na sua opinião até que ponto o fortalecimento da Responsabilidade Social colabora para uma melhor conscientização da empregabilidade do marketing social pelas ONGs. Você diria que o marketing social é a garantia de sobrevivência?
Schiavo - Embora não seja tão nova assim, a Responsabilidade Social Corporativa ganhou muito terreno nos últimos anos, especialmente aqui, no Brasil. A maior consciência do mundo empresarial em relação ao desenvolvimento social autônomo, não dependente do desenvolvimento econômico, faz crescer o mercado social. Junto com ele, a empregabilidade do setor aumenta, assim como a necessidade de formação de novos profissionais, capazes de pensar e agir de forma holística, tendo as grandes questões socioambientais como referência, mas atuando localmente. É um avanço, mas não chega a ser garantia de sobrevivência.

Revista Junção - Com relação ao Ano Internacional do Voluntariado, você acredita que os resultados obtidos no Brasil foram satisfatórios?
Schiavo - O Brasil se notabilizou internacionalmente com o Ano Internacional do Voluntariado. Fomos o país em que houve a maior mobilização da mídia, o que levou a nos tornarmos também o principal país em difusão dos conceitos de voluntariado e solidariedade social. A sociedade, como um todo, participou mais, contribuindo em todas as vezes que foi convocada. Só como exemplo, tomemos o caso da crise de energia. A população foi capaz de economizar cerca de 300% do total de energia antes gasto, salvando o País do colapso. A imprevidência e incompetência do Governo foram compensadas pelo papel assumido pela sociedade. 

Revista Junção - Por que as empresas brasileiras utilizam timidamente as leis de incentivos fiscais para atividades sócio culturais? Você acredita ser necessário a criação de novos incentivos?
Schiavo - A questão do incentivo é bastante complexa para caber numa resposta despretensiosa. As empresas utilizam pouco o incentivo, assim como os produtores culturais também não exploram o potencial das leis atuais. O custo de usar um incentivo, muitas vezes, é maior do que apoiar um projeto sem usar da renúncia fiscal, por exemplo. A burocracia também atrapalha e o assistencialismo cultural, que ainda não foi erradicado. Pensar novas formas de incentivo sempre é bom, principalmente para Estados e Municípios que ainda não possuem legislação específica. No entanto, mais do que leis, necessitamos de uma cultura de atuação, para que possamos mudar a Cultura. 

Revista Junção - No Brasil e no mundo temos notado grande interesse das universidades pelo Terceiro Setor, particularmente na área da qualificação profissional. Você diria que a qualificação profissional promovida pelas instituições de educação está em sintonia com a realidade do Terceiro Setor no Brasil?
Schiavo - A qualificação disponível para o Terceiro Setor no Brasil deixa muito a desejar. Tenho acompanhado as ofertas, mesmo aquelas propiciadas por importantes instituições de ensino, e as considero limitadas. Quando existe institucionalidade, falta experiência; quando a experiência é privilegiada, falta o componente acadêmico. As improvisações têm predominado, levando bons profissionais a serem maus professores e bons professores a serem percebidos como pessoas sem o pé na realidade. 

Revista Junção - Na sua opinião, por que as empresas brasileiras e multinacionais preferem investir em projetos próprios de atuação social, ao invés de fortalecer as organizações já existentes?
Schiavo - Costumo dizer que as necessidades corporativas não cabem no sonho das ONGs. O foco é outro, o público nem sempre coincide, os valores e a cultura organizacional, tudo é diferente. Quando a empresa é vista como mera patrocinadora, a relação tende a não dar certo, a médio e longo prazos. Quando a empresa quer terceirizar sua atuação no campo social, dificilmente encontra uma parceria capaz de calçar seus sapatos, sem fazer calos. Daí a colocação em prática do plano B. Criar Institutos ou Fundações empresariais. Creio que é uma fase de ajustes. Já vimos algumas exceções de boas parcerias entre organizações não-governamentais e empresas. É hora de transformarmos essas exceções em regra. 

Revista Junção - Como você vê a relação do Estado com as experiências da sociedade civil organizada?
Schiavo - O Estado ficou menor e a sociedade cresceu. Isso é bom. O tempo do Estado todo-poderoso, responsável por tudo e por todos acabou. Hoje, somos capazes de suportar com menos sofrimento um governo ineficiente e participarmos das questões públicas com mais legitimidade. É o resultado da consciência de que, se é público, é de todos e não, exclusividade do Governo. 

Revista Junção - Você compartilha com a afirmação do Sr. Sidney Basile, diretor superintendente do Grupo Exame, da Editora Abril que com relação a cidadania empresarial e o Terceiro Setor a opinião pública está um passo atrás? Que atrair o leitor com esses temas ainda é um desafio para os veículos de comunicação?
Schiavo - Não sei em que contexto o Sr. Sidney Basile fez essa afirmação. Levando em consideração a contribuição do Grupo Exame ao avanço da cidadania empresarial, seria leviano discordar sem uma análise mais detalhada da questão. De qualquer forma, na sociedade, temos aqueles que vão adiante, criando novos destinos e formas de caminhar. Temos, também, os que esperam as estradas serem concluídas para iniciar suas marchas. A opinião pública pode estar uma passo atrás, mas as mudanças só geram impacto no momento em que ela caminha. 

Revista Junção - Se fosse possível definir um cenário para os próximos passos para o fortalecimento da atividade do Terceiro Setor, qual seria este cenário com relação ao seu ponto de vista?
Schiavo - O cenário é de otimismo. As organizações não-governamentais evoluindo nas práticas gerenciais, profissionalizando-se e tirando o atraso tecnológico, compartilhando soluções e multiplicando seus resultados em escala. As empresas internalizando os conceitos e comprometendo-se crescentemente com práticas responsáveis em todo os campos do seu negócio, sem necessidade de criar um departamento para o exercício da cidadania empresarial, como são em alguns casos os Institutos e Fundações. O Governo reconhecendo o poder de mobilização e a capacidade de gerar soluções das ONGs, aumentando o campo das parcerias e facilitando os trâmites burocráticos. Vejo, também, novas formas de organizações, com capacidade de atender tanto às corporações quanto às organizações não-governamentais e, é claro, ao Governo. Um exemplo disso é que chamamos de agência de responsabilidade social. Essas organizações devem ser capazes de atender às necessidades promocionais e a publicidade institucional, sem perder os compromissos com o desenvolvimento humano nem o sentido pedagógico. É o que estamos tentando fazer.

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