AUDIÊNCIA INFANTIL: A TELEVISÃO NA FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS
Midiativa | 2003
Comunicador Social e professor de Sexologia, Marcio Ruiz  Schiavo é co-autor do estudo "Sobra TV ou Falta Família? 
Os Programas  Infantis e a Formação Sexual das Crianças". Também é  diretor-presidente da  Comunicarte, agência de responsabilidade social.
Em seu estudo, realizado a partir de 441 questionários  coletados  no Rio de Janeiro, Schiavo analisa a importância da programação  adulta  nos hábitos televisivos infantis e expõe o comportamento dos pais frente   à exibição de conteúdos inadequados a seus filhos. Entre outros  pontos, o  estudo detectou que:
- Mais de 72% das crianças entrevistadas passam mais de 3  horas diárias na frente da TV;
- 87,1% dos pais assistem à TV regularmente com os  filhos;
- 81,9% dos pais conversam frequentemente com seus filhos  a respeito dos programas a que eles assistem;
- 65,8% dos pais conversam com frequência com seus filhos  sobre os programas a que eles assistem quando o tema é sexualidade;
- 26,7% dos pais fazem restrições ou proíbem de maneira  constante que seus filhos assistam a algum programa.
Em sua entrevista ao MIDIATIVA, Schiavo afirma que a  audiência  infantil a programas inapropriados poderia acabar se os próprios pais   abrissem mão de assistir a tais programas: "Seria um bom exemplo mostrar   que, o que não é bom para os filhos, também não é bom para os pais".  No  entanto, ele ainda detecta bons exemplos na programação  infanto-juvenil  brasileira: "Existem exemplos positivos do uso da  televisão para promover  a educação sexual. É necessário, no entanto,  que esses exemplos sejam a regra e  não a exceção", completa.
Midiativa -  Os programas de televisão realmente  podem interferir negativamente na educação  e desenvolvimento das  crianças? Como se dá essa interferência?
Marcio  Schiavo - Os programas de televisão  interferem positiva e  negativamente na educação e desenvolvimento das  crianças. Não só os programas,  mas os anúncios veiculados na TV também.  Isso é um fato. Quando consideramos  programas com conteúdos positivos,  produzidos com preocupações pedagógicas e  assessoria educacional,  teremos como resultado uma boa contribuição ao desenvolvimento  das  crianças. Ao contrário, programas fundamentados em falsos valores,  voltados  apenas para satisfazer apelos primários da audiência e que  promovem a  violência, terão efeitos negativos.
Midiativa -  Citando seu estudo "Sobra TV ou Falta  Família", "O erotismo, a  nudez e o sexo são bastante utilizados para  ganhar pontos na guerra pela  audiência, independente do horário".  Existe algo inapropriado na  programação destinada às crianças ou o  problema é só com os programas para  adultos que elas assistem?
Marcio  Schiavo - No estudo "Sobra TV ou Falta  Família?"  analisamos os conteúdos dos programas produzidos para  criança. Encontramos  muitos conteúdos inapropriados, tanto em produções  nacionais quanto nas  importadas, que são maioria. Ou seja, não é  privilégio da TV brasileira  produzir programas que possam influenciar  negativamente nossas crianças. Esta  situação é mais frequente nas  produções americanas e asiáticas, compradas pela  TV brasileira. Isso  mostra que o descaso é geral. Mesmo em programas  aparentemente  inocentes, como a Turma do Didi, por exemplo, o desrespeito à  dignidade  e aos direitos humanos é uma constante.
Midiativa - O  estudo também afirma que "Muitas  vezes, intensificados pela exposição  excessiva de determinados temas e  cenas, algumas crianças chegam a indicar  problemas comportamentais e/ou  de natureza psicológica". Quais são as  consequências mais visíveis ou  passíveis de acontecer a crianças expostas à  erotização precocemente  devido aos conteúdos veiculados pela TV?
Marcio  Schiavo - As crianças que estão mais  expostas à TV tendem a  reproduzirem atividades e práticas presentes na  programação assistida.  Principalmente quando a personagem é uma criança  ou a situação vivenciada  aproxima-se de suas próprias experiências de  vida. Cenas eróticas, relações de  gênero ou situações de violência são  muito prevalentes nos programas assistidos  pelo público  infanto-juvenil. Uma das consequências mais visíveis é a  aceleração de  algumas vivências, sem que tenha havido um amadurecimento para  tal. Por  exemplo: é comum crianças ou adolescentes "ficarem" imitando  um  comportamento visto na tela. No entanto, é preciso não exagerarmos,   atribuindo à televisão unicamente a adoção de comportamentos sexualmente   inadequados.
Midiativa -  Como você vê o papel da família na discussão da audiência infanto-juvenil?
Marcio  Schiavo - Seria mais próprio falarmos em  papéis e em famílias.  Os principais papéis estão ligados ao processo de  socialização, estruturação da  personalidade e a formação educacional.  Não nos referimos aqui à escolarização  e sim ao processo contínuo de  absorção de conhecimentos e hábitos. Quanto a  famílias, hoje convivemos  com diversos agrupamentos familiares, onde é  frequente a ausência  total do pai e da mãe, a predominância da presença de avós  ou outros  parentes ou mesmo a ausência do casal durante o período que a criança   está acordada. Ou seja, o espaço de convivência com pai e mãe é pequeno.  Acaba  não sendo surpresa sabermos que nesse curto espaço de tempo os  pais não  priorizem a discussão com os filhos sobre o que é ou não  apropriado para verem  na TV. Por isso mesmo é que as crianças e  adolescentes acabam assistindo o que  há de mais inadequado para eles,  quando estão na presença dos pais. Concluindo,  podemos dizer que pais e  mães não garantem escolha de programação adequada.
Midiativa -  Segundo o diretor do IBOPE Flavio  Ferrari, "crianças e adolescentes  dedicam manhãs e tardes ao estudo,  seja na escola ou em casa fazendo trabalhos  e lições(...). A maior  disponibilidade do público jovem, portanto, acontece em  um período em  que a programação é mais adulta, e quando os pais tem maior  ascendência  sobre a escolha do programa a ser assistido". Como você vê a  quest†o  da audiência infantil a programas adultos?
Marcio  Schiavo - Tem razão o diretor do IBOPE. O  adulto, quase sempre a  mulher, é quem escolhe a programação a ser  assistida. Goste ou não, a criança  verá o que lhe está sendo imposto. A  tendência, no entanto, parece indicar  outros caminhos para um futuro  próximo. A televisão tende a ser um eletrodoméstico  de uso individual.  Na classe média já é bastante comum a existência de mais de  um aparelho  de TV em casa. O exercício da escolha tende a se democratizar,   independente do horário. Certamente, a programação vai se adaptar a esse  novo  modelo. Enquanto isso não acontece, vamos continuar com a  predominância da  escolha do adulto nos horários noturnos, levando a  criança a assistir aquilo  que não lhe convém. Embora a televisão não  seja inocente, são os pais os  responsáveis diretos pela má escolha.
Midiativa - O  que devem fazer os pais que se deparam com conteúdo inapropriado ao assistirem  TV com seus filhos?
Marcio  Schiavo - Primeiramente os pais deveriam  saber se os conteúdos  são apropriados ou não. Infelizmente, creio que  não estejam preparados para  isso. O fato de ser pai ou mãe, em si só,  não lhes confere conhecimentos sobre  qualidade da programação de TV.  Eles próprios fazem mal suas escolhas, dando  grande audiência para maus  programas. Por outro lado, não resolvemos o problema  culpando os pais.  Eles foram vítimas de uma formação cultural deficiente e  produtora de  falsos valores no passado. Reproduzem hoje para seus filhos o  mesmo que  obtiveram ontem. O ciclo de desinformação se reproduz, alimentado  pela  subcultura televisiva. A notícia boa é que cada vez é maior a  consciência  de que ninguém mais ganha com isso. Nem os veículos, nem os  anunciantes nem o  público.
Midiativa -  Como pais que passam muitas horas  diárias longe de casa devem agir para evitar  que seus filhos se  exponham a programas de TV inapropriados? 
Marcio  Schiavo - Como se sabe, a maioria dos  programas inapropriados  para crianças e adolescentes são transmitidos à  noite. Comumente naquelas horas  os pais estão em casa. Quando for este  o caso, basta impor limites. Mandar as  crianças irem dormir ou eles  próprios não assistirem o que não seria apropriado  para seus filhos.  Seria um bom exemplo mostrar que, o que não é bom para os  filhos,  também não é bom para os pais. Resta saber se eles estão dispostos a   abrirem mão de seus programas... Como se vê, a má escolha é um ciclo.
Midiativa - A  TV pode auxiliar de alguma forma a educação sexual das crianças e adolescentes?
Marcio  Schiavo - Existe uma classificação sobre o  processo educacional  que considera três situações: a educação formal, a  educação não-formal e a  educação informal. Na primeira encontra-se o  sistema educacional clássico,  escolarizado e serializado. Na segunda,  esforços educativos fora da escola e em  complementação a esta, com  começo, meio e fim definidos. Na terceira, informal,  o processo  educativo se dá o tempo todo. Os agentes educativos neste caso são  os  múltiplos atores sociais que intervêem no cotidiano de todos nós. A   televisão é um desses principais agentes e portanto auxilia - ou  prejudica - a  educação sexual das crianças e adolescentes. É claro que  quando consideramos o  Programa Ato (Atenção e Orientação à Saúde Sexual  e Reprodutiva), criado pela  Schering do Brasil em conjunto com o canal  Futura, estamos diante de um esforço  educativo exemplar na área de  sexualidade. A novela Malhação, da TV Globo,  veicula sistematicamente  ações que promovam a saúde sexual e reprodutiva de  adolescentes. É o  que chamamos de "merchandising social", que  definimos como a inserção  "intencional, sistemática e com propósitos  educativos bem definidos" de  temáticas sociais e mensagens educativas nas  tramas e enredos das  telenovelas e/ou minisséries. Só em 2002 foram 179 ações  veiculadas  sobre saúde sexual e reprodutiva, sexualidade e relações de gênero.  No  primeiro trimestre de 2003, 44 ações abordaram estes temas. Existem  exemplos  positivos do uso da televisão para promover a educação sexual.  É necessário, no  entanto, que esses exemplos sejam a regra e não a  exceção.
Midiativa -  Quais são os caminhos para a melhoria da qualidade dos programas? Qual o papel  da sociedade no processo?
Marcio  Schiavo - Certa vez, numa reunião que tive  com um alto executivo  da televisão brasileira, deu-se um diálogo  interessante: "Você quer saber  o que precisamos para produzir uma  programação de melhor qualidade? Pois bem.  Necessitamos de  profissionais bem preparados. Com cultura geral sólida,  conhecedores  dos direitos humanos e do processo de comunicação, conscientes da   responsabilidade da mídia e com formação ética. Perguntei: E é difÍcil   encontrar este profissional? Infelizmente é, ele respondeu. Os cursos de   comunicação estão mais interessados em preparar operadores de câmera e   redatores, do que profissionais capazes de usar a potencialidade dos  meios de  comunicação para contribuir com o aperfeiçoamento da  sociedade". Pode ser  uma visão parcial, mas sem dúvida apresenta uma  questão interessante.  Complementando este aspecto, creio que a melhoria  da programação está  intimamente ligada a qualificação da audiência.  Uma audiência mais qualificada,  com níveis educacionais mais altos,  fará escolhas mais apropriadas. Os veículos  seguirão - como têm seguido  até hoje - as preferências do público. Resumindo:  há necessidade de um  esforço junto ao processo produtivo e ao mesmo tempo,  preparar o  público para fazer escolhas acertadas, assumindo um papel de   protagonista no processo comunicativo.
 
 
 
 
